Wednesday, August 20, 2014

sobre as mulheres que lêem o futuro nas ruas das grandes metrópoles.sobre a prosa serena entre as mulheres que lêem o futuro nas ruas das grandes metrópoles e as mulheres que não aceitam a própria condição nas ruas das grandes metrópoles. elas têm medo do presente e vem fuçar no futuro. elas vêm me consultar porque não sabem elas mesmas seguir o caminho delas. esqueceram a ordem das coisas. a mulher de guarda-chuva preto para. icônica. tira um lenço do bolso e enxuga uma lágrima por trás do óculos de sol. não há sol. o delegado falava que ia me pegar embaixo do viaduto e me levar pro xadrez. o sol por entre as grades. eu nunca mais ia sair. naquele tempo a gente era perseguida na rua. um canto imaginado. a gente ainda é. mas eles tem medo da gente. a mulher-de-guarda-chuva balbucia sua pergunta num dialeto que só las brujas compreendem. agita os búzios entre os dedos esfarelados. o vento sopra virando a esquina. a noite cai, o sol cai, as estrelas caem. como há de ser. a mulher que lê o futuro nas ruas das grandes metrópoles franze os lábios milimetricamente enquanto olha com olhos de vidro as conchas dispostas na mesa improvisada. o viaduto. a polícia. não. a iminência da polícia. os homens. eles.os passos agitados ao redor. o som do sino da igreja faz tremer a mesa. mas ela resiste. olhar com ternura. a mulher-de-guarda-chuva se encolhe embaixo do guarda-chuva. como se os frágeis dedos de ferragem fossem erguê-la, vértebra por vértebra, rumo à enorme boca úmida de chuva. engolí-la a qualquer momento. o futuro o futuro o futuro. o vir-a-ser enlouquecedor do tempo. da mesa do viaduto. do buraco do estômago das mulheres nas grandes metrópoles. do sino. da arma da polícia. do grito da polícia. do cassetete da polícia nas costelas dela. e do grito dela, da outra mulher, fora de quadro, suja, desgrenhada, enfiando os dedos nas entranhas do viaduto. o futuro escorregando pelas mãos. a mulher de guarda-chuva tira os óculos. agradece com um leve movimento ascendente do queixo. deixa as notas em cima da mesa bamba. la bruja sorri. pega um saquinho repleto de pó e lhe enfia nas mãos finas num gesto de adeus. a mulher presa no guarda chuva sai derramando farelos de pó mágico pelos paralelepípedos do viaduto. la bruja sorri. acaricia os búzios e o bucho de onde vem a humanidade inteira. a mulher louca desgrenhada profecia o apocalipse enquanto goza branco no asfalto. la bruja sorri. rindo do amanhã.

(Resgatando pedaços escritos)