Thursday, February 08, 2007

Forças metafísicas literárias

"Eis este rosto bem conhecido, este sorriso, estas modulações de voz, cujo estilo me é tão familiar como eu o sou a mim mesmo. Talvez, em muitos momentos de minha vida, o outro se reduza para mim a esse espetáculo que pode ser um sortilégio. Mas altere-se a voz, que surja o insólito na partição do diálogo ou, ao contrário, que uma resposta responda bem demais ao que eu pensava sem tê-lo dito inteiramente - e, súbito, irrompe a evidência de que também acolá, minuto por minuto, a vida é vivida: em algum lugar atrás desses olhos, atrás desses gestos, ou melhor, diante dêles, ou ainda em torno deles, vindo de não sei que fundo falso do espaço, outro mundo privado transparece através do tecido do meu, e por um momento é nele que vivo, sou apenas aquele que responde à interpelação que me é feita. Por certo, a menor retomada da atenção me convence de que esse outro que me invade é todo feito de minha substância: suas cores, sua dor, seu mundo, precisamente enquanto seus, como os conceberia eu senão a partir das cores que vejo, das dores que tive, do mundo em que vivo? Pelo menos, meu mundo privado deixou de ser apenas meu; é agora, instrumento manejado pelo outro, dimensão de uma vida generalizada que se enxertou na minha."

Merleau-Ponty, em O Visível e o Invisível


A vida parece clamar às vezes por conhecimentos ou experiências específicos.
"Não sei se existe isto de que falo", mas já me deparei com uma sucessão de pequenas coincidências que parecem me conduzir para algo pré-determinado. Não falo de destino, falo de aporias criadas por mim mesma que necessitam resolução. Uma reflexão anterior sobre um determinado tema que está em algum livro e ou filme por aí que aparecem "magicamente" no momento exato do questionamento. Em outras palavras, ao me inquietar com alguma questão recente, parece que fico suscetível a sinais, que me guiam a obras sobre ela.
Com o Merleau-Ponty foi assim. Nos últimos dias tudo parecia me empurrar pra ler sobre fenomenologia. Um comentário de alguém, um texto relacionando-o com o cinema do Kieslowski, uma frase de professor... etc etc.
Então é isso: fico com minhas suposições míticas sobre forças sobrenaturais que gostam de livros.