Saturday, January 12, 2008

Semitons

Olhei pra varanda. Entrava por entre o vidro riscado uma luz. Branca, branquinha. Iluminava as cadeiras despenteadas, as roupas jogadas de alguma noite anterior. Noite dessas, escura, em que se pede amor em sussurros aos amigos que esquecem a tua face em detrimento de uma mão dentro de suas roupas.
Luz branca que entrava! Na certa, a lua. Redonda, gigante, esburacada. Não a via, mas embora só visse a luz branquinha, podia descrevê-la com exatidão: Redonda, gigante, esburacada. Ao redor umas estrelinhas meio ofuscadas pela imensidão; lua presa no céu, quase como foto no mural, lembrança na memória, dor pregada no estômago. Invadia os côncavos dos objetos espalhados pelo chão, cada um com sua história e carinho. Porque homem é bicho estranho que precisa das coisas pra lembrar dos fatos, precisa esfacelar o porta-retrato pra esquecer da imagem da foto que foi quase marcada com fogo no tecido fino no cérebro.
Fiquei parada ali, hipnotizada pela luz refratada pelo vidro.. Quase formava um arco-íris, dependendo do lado que olhava ou como mexia a cabeça. O resto eram degradês de branco ao cinza e as gotinhas brilhantes grudadas. Iam secar dia menos dia. Mas sempre chove de novo em São Paulo - morre gota, nasce gota - quase desesperadamente.
A luz foi murchando, de repente. Eu, meio acordada meio sonhando, acordei de súbito e andei em passos rápidos quase que tentando alcançar a luz que ia embora. Estiquei os dedos até o último fiapo, me joguei no chão, contraí a sobrancelha numa careta de quem se esforça, alonguei, quase gemi baixinho, mas se foi. A luz, branquinha, branquinha.. iluminou a noite anterior e trouxe à consciência as dores que penei pra esquecer com doses múltiplas de algum drink barato, cujo odor ainda pulsava nos ladrilhos do chão. Luz da lua que, embora fingisse, sabia bem: era só a luz da janela da frente.

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