Wednesday, March 05, 2008

Sentaram ao piano. Não vi quem foi, quem ousou. Do ângulo que via, só enxergava uns pézinhos balançando, que nem alcançavam os pedais.

A primeira nota surgiu: um ré. Tímido, gemido.
Gritaram dos fundos: "Toca que nem gente!"
Quem tocava quase acreditou ser possível tocar que nem qualquer outra coisa que não gente.
A segunda nota ecoou forte: um fá.
Quando pôs o fá-forte com o ré-arredio causou furor. Não em qualquer um que estivesse presente no empompado convescote, sim no diacho daqueles órgãos musicais que a gente tem - órgãos-platéias - que ou vibram, ou se contorcem, ou repelem.
A terceira nota era a que faltava: um lá.
Um lá tocado distraídamente, sem sentir o dente pesado do piano que obrigaria o sentimento a se camuflar de razão pra ser certeiro - no dente certo - e doído - no dente errado.

Ouviram todos os ministros, condes, viscondes e viscondessas pela primeira vez um Ré Menor tocado por um menino de 5 anos. O que sabem meninos dessa pequenez sobre rés menores?
Via-se nos rostos maquilados de porcelana, acetinados de saúde e enrijecidos contra emoções, a dor estampada. Entreolhavam-se todos, constrangidos por não conseguirem conter os órgãos-platéias dentro de si e as lágrimas que acumulavam na bochecha. Não choraram, não brigaram contra as pálpebras, mantiveram a fina compostura.

O menino, diante do escândalo, parou. Nunca mais conseguiu tocar. Um ré menor era por demais ameaçador para tanta convenção. E ele não sentira nada, coisa de criança. Tecla é tecla, som é som. Até ficava maravilhado com esse som que vinha de dentro da caixa preta cheia de cordas longas, longas, como fios do destino. Pra quem não entende o maquinário, o mundo faz sentido.

2 Comments:

Blogger Rafael Carvalho said...

ah, o bom e velho ré menor, o acorde mais triste de toda a dode[caco]cafonia

6:41 AM  
Blogger Rafael Carvalho said...

não vão, mein kind.
não vão não

vc tah dentro das estrelas :))

7:16 AM  

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