Monday, May 12, 2008

Carta aos parentes na pré-fuga.

Fujo, apaziguada pelo refúgio. Peço calma aos carmins trépidos dos desvios coloridos com placas opostas, que vivem invadindo minha paz. Não fujo porque quero, afinal. Não me deixam ficar em paz, quieta, na morbidez do meu tempo, cada vez mais desalinhado com as conjuncturas astrais do capital.
Digo Vou fugir e o tempo urge, as pernas tem cãimbra, os paralelepípedos clamam por mim - do lado de lá - lá, na esquina do desvio dos carmins. Na boca trêmula as palavras incertas, deslizando entre os dedos nas teclas do teclado, tentando buscar a sintaxe em algum complexo paranóico construtivista. A semântica, pois bem: fiquei órfã desde que acordei e o mundo careceu de sentido.

Empacoto as roupas de frio e calor e de meia-estação que pouco servem; desengaveto a coragem que tanto me faltou ao fim da etapa do empacotamento nas fugas anteriores. Agora estou segura: nada me prende mais: nem pai, nem mãe, nem choro, nem ressalva, nem memória, nem resguardo, nem comida de vó.

Peça por peça; me apresso; esqueço; tudo bem não faz falta; alta a dose de descrença; desavença entre as vozes; tons diversos se misturando àquele sax agudo agudo que distoa de todo o resto, repetido, insistente, pungente; discussões tilintando; as vozes, ah, as vozes, no meio do caos perguntando, em voz serena, como é que eu faço, deus como é que eu faço pra chegar nos carmins.