Sunday, February 11, 2007

thought machine

[Farewell in 3/4:

parte a/ parte à par/tão ímpar o ím/peto parte/e a paz vira par.]


Ganhei uma máquina de escrever. Tão bonitinha, numa maleta cinza. Abri com cuidado, os olhos se aproximaram num zoom-in cuidadoso, seguido por uma meticulosa inspeção nos emaranhados de letras ainda sem sentido. Tem cheiro de prosa, gosto de poesia!
O romantismo me seduzirá durante algumas batidas fortes nas teclas para que as palavras soem nítidas. A força do toque conduz as tintas.
O que me atrai de fato na anciã é o fato de ser meio instrumento de grito, meio de percussão. Ao todo, de repercussão. O que me repele é saber que terei mais cautela com as construções, mais vendas nos neurônios, mais esmero com os segredos.
Se meu coração continuar batendo bem, vai seguir o ritmo da minha máquina.

Feliz!

Thursday, February 08, 2007

Forças metafísicas literárias

"Eis este rosto bem conhecido, este sorriso, estas modulações de voz, cujo estilo me é tão familiar como eu o sou a mim mesmo. Talvez, em muitos momentos de minha vida, o outro se reduza para mim a esse espetáculo que pode ser um sortilégio. Mas altere-se a voz, que surja o insólito na partição do diálogo ou, ao contrário, que uma resposta responda bem demais ao que eu pensava sem tê-lo dito inteiramente - e, súbito, irrompe a evidência de que também acolá, minuto por minuto, a vida é vivida: em algum lugar atrás desses olhos, atrás desses gestos, ou melhor, diante dêles, ou ainda em torno deles, vindo de não sei que fundo falso do espaço, outro mundo privado transparece através do tecido do meu, e por um momento é nele que vivo, sou apenas aquele que responde à interpelação que me é feita. Por certo, a menor retomada da atenção me convence de que esse outro que me invade é todo feito de minha substância: suas cores, sua dor, seu mundo, precisamente enquanto seus, como os conceberia eu senão a partir das cores que vejo, das dores que tive, do mundo em que vivo? Pelo menos, meu mundo privado deixou de ser apenas meu; é agora, instrumento manejado pelo outro, dimensão de uma vida generalizada que se enxertou na minha."

Merleau-Ponty, em O Visível e o Invisível


A vida parece clamar às vezes por conhecimentos ou experiências específicos.
"Não sei se existe isto de que falo", mas já me deparei com uma sucessão de pequenas coincidências que parecem me conduzir para algo pré-determinado. Não falo de destino, falo de aporias criadas por mim mesma que necessitam resolução. Uma reflexão anterior sobre um determinado tema que está em algum livro e ou filme por aí que aparecem "magicamente" no momento exato do questionamento. Em outras palavras, ao me inquietar com alguma questão recente, parece que fico suscetível a sinais, que me guiam a obras sobre ela.
Com o Merleau-Ponty foi assim. Nos últimos dias tudo parecia me empurrar pra ler sobre fenomenologia. Um comentário de alguém, um texto relacionando-o com o cinema do Kieslowski, uma frase de professor... etc etc.
Então é isso: fico com minhas suposições míticas sobre forças sobrenaturais que gostam de livros.


Tuesday, February 06, 2007

Blogs deveriam postar automaticamente os drafts.
O que realmente importa não é o que você escreveu, mas sim, o que por motivos diversos, você não teve coragem de publicar.

Epoché

inspira em 4 tempos com o diafragma.
expira em 8.
palmas das mãos pra cima, coluna ereta.
mente à mercê do vazio, que por sinal, anda cada vez mais tumultuado.
fecha os olhos.
[ficar exposto aos estímulos do mundo é perigoso, manter-se imune é fatal.]

vomitar palavras durante horas ou desfocar?
deixar fluir o sentimento pelos poros, veias, células, pelo âmago ou ir podando gradativamente?
tudo o que flui naturalmente acaba se esvaindo por falta de força da corrente. o cabelo cortado semanalmente, vocês sabem, cresce mais. e dizem as marie claires, ainda mais forte.

consumir-se ou ser consumido?
enterrar a faca ou deixar enterrarem?
ainda aposto neste escândalo flutuante. ainda acordo de madrugada achando que o que sonhei é um prenúncio. ainda acho que susto mata soluço e que soco no estômago é uma metáfora. ainda tenho ilusões de óptica e ainda me divirto com lapsos premeditados.

Ainda tenho tempo.

inspira em 8 tempos com o diafragma.
expira em 4.